terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Tô e as negas - Capítulo II - Parte II - O Infortúnio

Mudando de açaí para graviola. Depois de cavalgar alguns instantes e caminhar outros mais, estavam juntos: Nicanor, Juraci e Paulinho que logo tratou meios de “cair na marva” quando avistara ao longe duas negrinhas descalças. Cabelo pixaim? Óbvio que sim. Tão certo como dois mais dois são quatro. Não sei ainda até hoje o que ocorreu com o guri. Só sei que ele partiu em disparada rumo as até então desconhecidas primas.

Fora uma alegria só. Rolou a tal química e as crianças pareciam conhecer-se desde o berço.

Os irmãos abraçaram-se de parar de o tempo. Era ainda mais sofrida a vida de Juraci não unicamente por estar casado com Marta – uma mala sem alças – Mas, por que era humilhado no trabalho. Submetido as mais constringentes situações que um pai de família poderia suportar para manter a casa em ordem. Poderia reclamar? Sim, poderia, mas, não seria de bom tom colocar o Coronel Lozim contra seu enteado e homem de confiança que administrava aquelas bandas da fazenda. Emudecia-se.

- O meu irmão, que saudades. Até parecemos morar um em cada país, não achas? Sempre quando era pra vir aqui, era um tormento. Isso porque trabalhamos para o mesmo dono e nas mesmas terras, embora em regiões administrativas diferentes.

- É mesmo mano. Mas, não vamos falar de coisa ruim não. Eu to muito feliz com a presença sua e da família todinha aqui. Hoje é o dia mais feliz pra mim nestes últimos oito anos. Lembra quando nos vimos pela última vez? Acho que foi no enterro da vó Deocreciana.

- Não, não Juraci. Vimos-nos duas semanas depois no nascimento do Paulinho lembra? E teve também o batizado de Jurubeba e Catuaba, no outro mês. Mas, de fato mesmo, faz oito anos que não sentia tal abraço.

- É Nicanor, o tempo avoa meu irmão. Avoa que a gente nem dispercebe que passa.

Sorriram e prosseguiram a prosa embaixo da mangabeira onde aproveitaram para saborear o fruto da típica arvore de mil e uma utilidades. Vai desde a fabricação de bebida vinosa, de altura expressiva, flores grandes, madeira avermelhada até o seu uso do látex aproveitado para fazer borracha. Desta forma complementavam a renda: Vendendo mangabas e mangabas e mangadas. Como ficava na labuta da ordem campestre cabia a Marta vender o fruto. Detestava. Queria ter a sorte de Eulália que ganhava dinheiro fácil e tinha vida boa dando aula pra molecada dali.

O que era pra ser uma visita do tipo bate e volta acabou pela insistência de Marta em pernoite. Paulo adorou. Afinal, não era todo dia que ela brincava de médico, coronel, professor, papai, mamãe e filha. O dia lendário!

Na hora do jantar:

- Senhor meu Deus, abençoai nossas famílias para que fiquem sempre unidas sob a proteção do Senhor e que Deus Pai todo poderoso nunca nos deixe faltar nada à mesa. Somos gratos a ti por esta provisão maravilhosa e pelas demais que faremos certamente. Amém.

- Amém. Respondem todos após a oração de Eulália. Até suas orações pareciam poesia. Queria ver que santo ouvinte não a responderia.

Comeram. Fartaram-se. Trocaram mais algumas palavras e...

- Nicanô, se ocê quisé escorá a espinhela, já ta no jeito.

- Muito obrigado Marta eu vou aceitar seu convite sim. Chamou Eulália e Paulinho e recolheram-se aos aposentos preparados. Antes de dormir, uma prece em família:

- Deus que ouve e atende nossas necessidades, continuai a zelar por nós. Protegei-nos a vida e a de quem amamos. De muito gozo e saúde ao Coronel Lór e sua família, a todos desta e da outra parte da Fazenda. De todos os homens livres de corpo e alma de nossa terra, iluminai-nos. Faça-nos ver sua face ainda que amarga nos seja a vida, os dias e as desesperanças muitas, quase infindas. Zelai por nossa saúde para que possamos trabalhar e se for de sua vontade prosperar na vida. Dai paz aos homens que a buscam e livrai-nos do mal. Amém.

As orações de Nicanor não ficavam atrás em nada as de sua patroa. Levantaram, fizeram o sinal da cruz como todo bom católico apostólico romano e, deitaram os cansados lombos no branco lençol de seda francesa que Marta ganhou de um padrinho fino e que agora os servira. Dormiram.

De manhã já bem cedo. Por volta das quatro da manhã quando orvalho faz terra véu de noiva e como doce aroma enfeita os mais sútis dos sonhos, leventa-se Juraci para ordenhar as vacas. Como de costume, lava o rosto, lasca um pedaço de pão com manteiga gorda, leite amarelíssimo e forra o estômago. Toma seu chapéu de palha de abas largas, tipo mexicano e arriou cavalo. Antes é claro já estava com cigarro grosso nos beiços mandando fumaça pro ar.

Não demorou nada e Marta estava de pé. Ávida, como sempre percebeu momentos depois de acender o candeeiro lá fora um forte cheiro de fumaça. Assustou-se, correu pro quarto onde estavam seus parentes tomou Paulinho no colo. A casa estava em chamas. Foi coisa rápida, casa de sapé com cobertura simples, rapidamente pegou fogo. Paulinho acordou em desespero e gritava pelos pais as lagrimas de sangue que inimaginou chorar um dia. Ao contrário de Eulália e Nicanor que eram cercados por muitos vizinhos, Marta e Juraci eram diferentes. Viviam meio que isolados. Marta corre para fora e começa gritar. De nada adianta. Quem poderia ouvi-los além da natureza sacra que os cercara?

Paulo tenta correr para salvar os pais visto que sua tia apenas grita quando cai ao chão e desmaia.

Lá mais afastado de casa, vê uma nuvem preta no céu que denuncia incêndio por aquelas bandas. Seu Juraci volta correndo. O cavalo parecia ter asas. Contudo, demorou. Pode somente ver as cinzas da desesperança de seu lar desfeito pelas chamas e de seus entes queridos: Seu único e amado irmão com sua cunhada mortos de trágica maneira. Não eram fênix. Jamais tornariam das cinzas para uma discussão, uma conversa informal, uma piada sem graça que seja, um abraço e até mesmo para o último adeus. Prostou-se e com face no chão, chorou todos suas forças. Marta abraça-o e tenta consola-lo no discurso:

- Foi a vontade de Deus.

Nada diz. Chora, lamenta, chora e chora. Paulo foi levado ainda desacordado para casa de Agripino Diaz, meio irmão de Marta onde Jurubeba e Catuaba passaram a noite dado a hospedagem dos tios. Acorda em choque e gritando clama:

- Não, não, não deixem eles queimar. Não, pai. Mãe. Acordam. Por favor, acordam.

Não, não, não!

Enfermeira por favor me ajude, o paciente está delirando. É um surto psicótico, alguma lembrança do passado.

- Paulo, Paulo, acorde. Olhe para mim. lembra-se de mim? Sou Doutor Sadre, o médico que lhe atendeu quando seu amigo Lucas o trouxe. Acalme-se. Foi só um sonho, você está bem?

- Sim, doutor passaram as lágrimas do sonho, mas, algo ainda atormenta minh’alma. Já não sei ao certo quem sou, nem o que faço aqui em São Paulo. Doi-me mais o cerne que quaisquer destes hematomas que tenho. Preciso de paz. Chorava.

- Tudo bem. Deixa-lo-ei a sós. Se precisar de algo e só chamar. Procure relaxar, se possível. Dentre instantes, novo dia será.

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