quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Tô e as Negas.. Parte I - Capitulo I


São Paulo, 27 de novembro de 1930.

Prezados tios,

É com zelo e carinho que escrevo-lhes afim de partilhar minha alegria convosco. Entre para faculdade. Tempos bons esperam-nos a partir de agora. Caio e Joaquim perderam-se.

Divido a modesta casa que resído com mais três rapazes. Uma salada devo confessar. E o pior, só cuecas. Que saudades da terrinha!

Aqui dá-se: Eu, brasileiro. Um italiano. Um judeu e um gay. Sem comentários.

Estou bem, as dificuldades financeiras aos poucos vão-se. São novos tempos. A república parece ganhar novos ares agora com Getúlio. A terra da garoa ainda amarga a depressão legado da grande crise. Entretanto, a indústria alimentícia que trabalho vai de vento em polpa.

Estou com saudades. Tão imensas são que torno-me redundante.

Mande minhas considerações ao padre DiCappucci. Peça que interceda-me como sempre o fizera.

Lembranças também a Jurubeba, Catuaba e a Maria Augusta. Amo-as.

Grande abraço a todos e muito obrigado por tudo.

Paulo Marcos

PS: Estarei em Calhambeques por breve..

- É, pelo visto teremos visita na cidade. Esses estudantes. Todos metidos a revolucionários, intelectuais. Mal sabem o que foi a Revolução Francesa de que tanto falam. Viu só com ele escreveu.? Mandou lembranças pra todo mundo. Até pra cadelas, se bestar. Mas, nada pra mim. Ingrato. Cansei de matar a fome de toda essa gentinha imunda e é isso que recebo. Odeio gente ingrata. Só espero que que não venha se engraçar com nossas puras e distintas moças.

- Mas, não é proibido ler as correspondências alheias coronel? Não é crime, ainda mais agora que o pacto mineiro foi rompido?

- Ô diachô. Quem o senhor pensa que é pra me dizer o que fazer cabo? Oxente!

Esqueceu-se que eu sou a lei por aqui? Não tô nem ai se escolheram 30 pra fazer revolução. Eu sou a lei aqui e as coisas continuaram assim. Esqueceu é?

- Não Senhor. Perdoe-me a insolência. Fiz apenas uma observação. No mais, há coisas impossíveis de se esquecer.

TÔ E AS NEGAS

Michael Wendder

Um dia de cão.

Todo dia era o mesmo sacrífício para acordar. Nem se a banda da cidade desviasse o percusso rotinal que fazia e adentrasse no quarto de Enoch Ben Zion ele seria capaz de expor aquelas íris cor de azul a entrada da luz que anunciava um novo dia e o chamava as obrigações de sempre. Contudo, após algum tempo de esforço Gianluca, ou João Lucas como era conhecido aquele baixinho, porém, astuto italiano, conseguia acordo-lo. Das duas uma: ou era da disnastia de Jó ou tinha parte com...

Dentre as obrigações do Judeu estava transportar os demais amigos pra faculdade. Não poderia sair tarde. O transito ficaria impossivel e a professora de Sociologia não perdoava atrasos ainda mais em dias avaliatórios.

- Vamo, vamo. Não podemos perder mais tempo. Preciso tirar nota nessa prova ou estou ferrado. Você está tranquilo só tem duas aulas hoje a ainda as últimas. Mas, se eu não chegar a tempo. Que Deus tenha piedade da minha alma.

- Calma Lucas. Onde está toda aquela benevolência? Chegaremos a tempo. Relaxe. Não está esquecendo de nada não?

- Ora Ben, de que estaria esquecendo? Estou com tudo aqui já. Partamos.

- Mas e o Tô? Onde está?

- Não perca nem o seu, nem o meu precioso tempo com Tô. Ele não durmiu em casa hoje, inocente. A ultima vez que o vi foi na saída da fábrica com aquele desavergonhado sorriso. Nada disse-me. Piscou apenas como se dissesse-me “É hoje”...

- Esse Tô viu. Esse é meu garoto. Vamos embora.

Partiram com aquelas caras lisas. Com ar sarcástico no rosto ao lembrar do puro santo homem de Calhambeques.

Dizem que carro velho, mulher feia, dor de dente, chulé e caspas, se você não teve prepare-se porque ainda terás. Com os nobres garotos de Vila Maria não poderiam fugir a regra. Nada de exceções. Não que o carro fosse velho. Pelo contrário. Ser habilitado, com carros em plenos anos 30 no Brasil era sinal da mais alta estirpe. Todavia o modelo americano A Phaeton Ford 30 adquirido em 1928 pelo pai de Ben nos EUA estivera bem surrado dado ao tratamento que recebera no solo do Tio San e pela viagem até o Brasil e ainda soma-se que o presente do petroquimico americano era usado como meio de ganhar dinheiro. Uma expécie de taxi burguês. Voltando ao que interessa, pé na estrada rumo à Faculdade de Medicina Paulista. De repente a vaca foi pro brejo literalmente falando. Não sabe-se ao certo quando, nem como ocorrera. Ouvira-se apenas gritos dos munícipes até o parcial impacto do auto em Dorotéia, a mina de ouro, ou melhor de leite de Nestor Paiva. Este por sua vez, não tinha na vaca fonte de renda, ou algo que usasse para sobreviver, todavia, o pego que seu filho Gabriel tinha nela era o elo principal de tamanhos cuidados.

Os garotos ficaram bem. O veicúlo sofrera algumas avariações. Mas, uma coisa era fato consumado: a vaca era a mais nova alma do “vacaíso”, se é que existe céu pra vacas.

Surtou. Definitivamente surtou Nertor Paiva. Não poderia crer em que seus olhos vira da padaria luzitana.

- Irresponsável! Você viu só o que fez? Você está bêbado, drogado ou que raios tens criatura? De que forma direi aos meus que foi-se Dorotéia?

Não achou explicações naquele momento. Como explicar que uma negligência causada por um cigarro que caira no banco pudesse causa tanto estrago? Melhor nem tentar, mas:

- Senhor, acalme-se. Desculpe. Fora instantes devaneios. Podemos reparar-lhe o erro comprando-lhe outra vaca de igual raça, peso, produtividade. No entanto, acalme-se – Procurava argumentar o jovem Ben que estivera ao volante.

- Oh! Sim, claro. De certo é só dinheiro que importa. Fala sério camarada. Achas que não disponho de meios para adquirir tantas quantas vacas meu salário de educador provier? O fato é intríseco. Sentimental.

Quisera resolver a situação porém as palavras de Ben só fizera atear ainda mais o fogo aos nervos do já avermelhado homem.

Lucas, coitado dele, mais tenso impossível. Saira atrasado de casa, sofrera um acidente e ainda correria sérios riscos de perder a mor avaliação do sementre. Chorou. Misto de ódio, dor e medo. Ele precisava chorar mesmo. Faz bem, alivia.

O bate-boca parecia infindável, mais fácil Fidel aparecer tomando Coca-Cola num comercial estadunidense. Contudo cedeu Nestor. Estava a ponto de atrasar-se para seu trabalho e resolveu partir. Não poderia demorar-se. Não alguém como ele.

Lucas e Ben entreolharam-se. A vida continua. Sabe-se lá quem chamou a polícia que tratou de sumir ou assumir o cadáver. Seguiram então a passos largos para aula. Nada os restara senão caminhar e tomar o público transporte mais próximo.

Chegaram. Quarenta e sete minutos atrasados, mas, chegaram. Lucas teve um surpresa nada agradavél. Seu dia de “persona non grata” chegara. Fora vetada a realização da avaliação pela professora. Feito tal justificável ao vê-lo semi-sujo e com olhos avermelhados do pranto que tivera. Nada a convenceria contrário. Soou tudo aquilo como mais uma noitada lascívia e libertina de aluno. Advertiu-lhe severamente:

- Isso aqui não é casa da mãe Joana, nem a Praça da República ou a Estação da Luz onde há fluxos de pessoas toda hora. Regras existem para serem cumpridas. O senhor não assistirá o tempo que nos resta de aula e nem perca tempo argumentando-se. Seu espectro o condena e sua reputação o procede meu caro.

- Mas, professora ocorre que...

- Não me ocorre nada. Já a ti, paciência. Ah, por favor queira retirar-se daqui de frente da sala para não atrapalhar ainda mais o raciocínio da turma ok? Bye.

Não era a toa que Dr. Antônia era a mais lenhadura educadora da Universidade. Um mito (não greco-romano, mas, de proporções de grande valia ali), odiada por uns, ovacionada por outros. Quiçá formara o caráter de hoje na Pariense Universidade, centro cultural do mundo elitizado contemporâneo ou, vai saber o que se passa entre quatro paredes em casa, não é mesmo? Sabe-se Deus.

Que tinha ou podia Gian fazer após tanto sacrifício? Nada. Recolheu-se a escadaria principal da ala norte. A dos corredores largos, meio turvos e friorentos onde amargou seu dia.

Enoch o procurara. Vão intento. Não queria ser incomodado e sabia que onde estava era o melhor local por ser a ala em reformas, pouco visitada.

O relógio não perdoa e é chegada a hora de Ben participar do laboratório de anatomia no andar superior de boa vista devo confessar.

Houvessem cardíacos em seu histórico familiar e morreria ali, naquela hora quando o novo professor, até então desconhecido por todos, adentrou e fez saudação a sala.

- Bom dia pessoal. Sou o novo professor de vocês a partir de agora. A antiga profesora teve que afastar-se dado motivos de ordem pessoal e que não nos diz respeito. Assim, assumo a frente dela no curso. Sou Doutor em Anatomia e Mestre em Assuntos Psíquicos, ambos pela Universidade de Montreal e chamo-me...

Impossível não saber aquele nome ou irreconhecer aquela voz de “outrora” tão breve. Nestor Paiva, o dono da jaz vaca era o novo professor de Enoch Ben Zion.




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